Espetáculo
Anoïssía
Criação Coletiva
Dentro de mim há dois cães. Um é malvado e o outro bondoso; e lutam constantemente entre si. Quando me perguntam qual vence, respondo: aquele que alimento mais”. Sitting Bull, o mítico chefe da tribo Lakota, questionava e definia assim o curso das suas acções. As dualidades impressionam a consciência humana desde tempos imemoriais, e este encontra-se constantemente imerso na sua própria dicotomia. O dia contra a noite, a vida e a morte, o bem contra o mal, o homem versus a mulher, deus e o diabo, o som e o silêncio, a razão contra a emoção. O pensamento contra a ação.
Esta peça recai no sentido de displacement, na dor de ser e viver do lado errado de tudo. De não saber reagir perante o mundo e a nossa interpretação dele. As dúvidas de postura. A cada dia e momento sai de dentro de nós um diverso tipo de eu. Um outro cão alimentado, que pode dar uso à mandíbula na hora errada, ou tomar por amigo um atacante.
Nessa dúvida constante e nesse “erro do lado absoluto”, a Livre Loucura e o Ser Sensato respondem sem harmonia aos desafios quotidianos. “Agora sou eu”, “agora vais tu”, sem esperança de aliança. Mas essa cisão torna-os deslocados e incapazes, de poderes curtos e ineptos. Por vezes a Livre Loucura abre portas que o Ser Sensato não tem força para abrir, no seu medo de arriscar. E na tensão fogosa, a Loucura detonaria o explosivo, não tivesse já o Ser Sensato desarmado o dispositivo.
Existem em nós vários caminhos ocultos, que só cabem a nós conhecer. Anoïssía levanta questões vitais sobre o nós próprios e sobre o mundo em que vivemos - desde a natureza do conflito, a natureza da consciência humana e os desafios que enfrentamos quando confrontados com poderes maiores do que nós próprios.
“Não sei por onde vou, mas sei que não vou por aí” (J. Régio, Cântico Negro)
Beatriz Silva
CRIAÇÃO COLETIVA - PYRA TEatro